Era uma vez...

Era uma vez uma menina. O seus olhos eram negros e cheios de sonhos e a sua alma jovem tinha mil ilusões de felicidade. Conforme os anos passavam a menina sofria desilusões e tristezas, mas nunca deixou de acreditar no amor, no respeito e na confiança. Todas as noites sonhava com o dia em que poderia entregar a alguém todos esses sentimentos lindos que cultivava no peito e viver numa comunhão quase perfeita, de tolerância e cumplicidade. Um belo dia a menina acordou e sentiu que o sol lá fora brilhava de forma diferente, os passarinhos cantavam mais alto e o céu estava mais azul. A esse dia seguiram-se muitos outros, radiosos e exuberantes. Por vezes surgiam algumas nuvens mas depressa se dissipavam. A menina sabia que era feliz! Sabia que a perfeição era utópica mas o amor verdadeiro não. Soprava as nuvens para longe com todas as suas forças e construía a pouco e pouco uma linda paisagem de Verão. A cada dia sabia que a sua mão se enlaçava noutra, que os seus lábios e a sua pele eram amados e desejados. Sentia-se bela. Os dias passaram, e depois os meses e os anos. E a menina continuava a acreditar naquele amor. Era dele que tirava energia e esperança. Uma noite a menina estava cansada, exausta, deixou-se cair na relva fresca e macia do seu jardim e adormeceu fixando a Lua, imaginando nela a cara daquele que amava. Na manhã seguinte, quando abriu os olhos, não viu o sol nem o horizonte nem as flores... Havia nuvens escuras por todo o lado e chovia torrencialmente. Coberta em lama correu por entre os despojos do seu sonho sem acreditar naquilo que via. A menina gritou e chorou, pediu perdão por ter adormecido mas ninguém a ouviu. Ergueu os braços para o ar mas ninguém a abraçou, tentou reconstruir o seu mundo mas não foi capaz. Estava sozinha. A pessoa que ela amava nunca tinha existido. Como podia ter existido e desaparecido sem deixar rasto? Implacavelmente, como se os sentimentos fossem pedaços de pano velho que se atiram para o lado quando estamos fartos de os ver. A menina agarrou em retalhos da sua paisagem destruída, abraçou-os com força e perguntou porquê. Beijou-os, sentiu-lhes o cheiro uma última vez. E chorou. Durante dias não abriu os olhos... Não queria ver aquele mundo feio em que os sonhos não valem nada, em que confiamos nas pessoas e elas nos apunhalam pelas costas como se não merecessemos respeito ou consideração. A menina sentiu-se suja e usada. Saiu lentamente do jardim e caminhou até encontrar uma estrada. Nessa estrada havia um grupo de pessoas, rostos bonitos e familiares. A menina estendeu novamente os braços e abraçou os amigos. Aquele abraço deve ter durado horas.. forte e intenso. Depois, a menina olhou em volta e soube que a vida nunca mais seria a mesma, soube que os seus sonhos tinham morrido para sempre e soube que a sua confiança tinha sido ferida tão profundamente que jamais poderia sarar. A menina aprendeu que há pessoas que não sabem amar. Há pessoas que têm corações pequeninos e assustados. Sabe que um dia voltará a ter sonhos e talvez volte a amar. Sabe também que ser desleal e rude com quem nos ama é um crime sem perdão. Tem raiva e não tem medo de o admitir. Sente nojo e tem pena de o sentir.

1 comentário:

Jotomicron disse...

Parece-me uma incrível provação para tal menina. E parece-me uma provação da qual levará algum tempo e muitos abraços a por num cantinho escuro, escondido e recondito, ali atrás das costas.

Mas com aquele povo da estrada, certamente que este cantinho escuro não voltará a ressurgir com facilidade.