Trégua

Porque às vezes a poesia me escapa...

Perco a magia única e instantânea dos momentos,
Os meus pensamentos toldam-se de lágrimas,
A minha alma torna-se uma planície estéril e seca,
A vida ultrapassa-me, foge demasiado rápido.

Sou só um vulto debaixo das cobertas,
Procurando um instante de silêncio e de vazio,
Uma trégua da avalanche de futilidades que me cercam,
E me cegam das verdadeiras cores da vida.

Viperina



Alguma vez acordaram de manhã embuídos de um certo espírito viperino, destilando incontroláveis monções de veneno, ansiando não por vingança mas por uma espécie de justiça à escala planetária?

Pois foi assim que acordei hoje, inconsolável perante as agruras da vida e as injustiças de que o mundo se encontra repleto. Sentindo no ar, com minha imaginária língua bifurcada, as más energias e a podridão da sociedade...

E agora pensarão vocês: terá esta recém-transfigurada víbora auto-crítica? Bem, se tiver certamente dará uma forte dentada na própria língua e terá que rastejar agonizante até à Urgência do Hospital de Santa Maria. Até que isso aconteça permaneço com as minhas fantasias de animal de sangue frio, dando poderosas dentadas em todos aqueles que segundo a minha língua bifurcada, merecem.

Esperemos que amanhã acorde na pele de um animalzinho mais pacífico, como um coelhinho, ou uma ovelhinha, ou um golfinho, ou um gatinho... Qualquer coisa que possa terminar em "inho" e que seja mais compatível com a tranquilidade que se exige nestes dias.

Muro da Lamentações

E aqui fica o meu testemunho, infeliz, desesperado e muito pouco racional. Amanhã será um dia tão estranho, em tantas perspectivas, o imprevisível aguarda-me quando o sol raiar, embora bem no fundo eu saiba a sorte que me espera.

Talvez a leitura póstuma deste texto me desperte um sorriso. Talvez amanhã nem tenha energia para vir até aqui e confrontar-me com as minhas palavras de agonia.

Estranha forma de vida esta. Não admira que certas coisas aconteçam quando a exigência nos obriga a este estilo de vida tão pouco saudável.

Não se preocupem com estes devaneios... Amanhã, quem sabe, perderão uma parte do seu significado.

Notícia de última hora!

O meu "árduo" estudo de obstetrícia e ginecologia culminou com esta fantástica e histórica constatação que vem derrubar aquela crença popular de há milénios de que a gravidez demora 9 meses.

Pois é, o tempo considerado normal para uma gestação é de 40 semanas, ou seja, 10 meses! (embora haja, obviamente, um intervalo de valores que se inclui na normalidade).

Acho que merecia mais 0,5 valores por esta constatação, hein?? :p

Valentine´s Day!!!



"And so I'm sailing through the sea
To an island where we'll meet
You'll hear the music, feel the air
I'll put a flower in your hair
Though the breezes through trees
Move so pretty you're all I see
As the world keeps spinning round
You hold me right here right now"

Marés

Dizem que há mais marés do que marinheiros.

É por isso que navegando nós por entre as ingratas vagas da vida, tantas vezes perseguindo as marés ou fugindo delas, constatamos que quando as queremos alcançar elas fogem e quando queremos escapar delas elas multiplicam-se.

Pois, elas são muito mais do que nós.
Resta saber se são todas iguais.
Depois do insucesso consumado, tendo a maré escapado airosamente ou esbarrado de forma violenta contra nós recebemos o sábio conselho, lá está, há muitas marés, não te preocupes que hão-de vir outras mais bonitas ou então, não te preocupes que as próximas marés hão-de ser mais meigas (nesta vida, há versões imaginativas para todo o tipo de infortúnios).

E assim vão e vêem, algo monótonas, as marés e suas ondas brancas e espigadas. Quando morrem limpam a areia de qualquer vestígio seu e descansam, sem medo de nunca mais serem lembradas por nenhum ente vivo neste mundo.

E, no entanto, fica em mim a recordação de ter segurado na mão a espuma do mar, de a ver desaparecer e sublimar-se das minhas mãos geladas e regressar já sem matéria ao leito do oceno. Lembro-me do toque gélido das vagas, abrupto e rude nos meus pés descalços. E elas continuavam a afastar-se furiosamente e enrolavam-se naquele infinito de água sem receio de nunca mais serem recordadas.

E, mesmo assim, eu lembro-me.

Para Ti...

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo.

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre.

Para ti dei voz às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida.


Mia Couto

Analogias

photo by Amy Hopp

"As palavras são como as cerejas."

Agora imaginem que eu não gosto de cerejas. Na verdade, o seu sabor súbito e rápido provoca-me um esgar de surpresa desagradável. Tentativas frustradas de gostar pelo menos um bocadinho da fruta que se compara às palavras. Qual será então a sensação de comer uma cereja e não conseguir parar? Será como bombons deliciosos ou bolachinhas mas sem o sentimento de culpa de estar a exagerar nas calorias? Ou será que por ser um prazer consentido (porque dizem que a fruta não engorda) não tem aquele doce travo de pecado e de rebeldia que nos atinge quando ousamos tirar só mais um bombom da caixa? É que às vezes também dizemos só mais aquela palavra, que não devíamos dizer mas que sabe tão bem, aquela que ninguém precisa de saber que dissemos... Como o último bombom da caixa que no final ninguém se acusa de ter comido. E porque às vezes também falamos de mais, surge o arrependimento... Parecido com o leve enjoo e o aumentar de gramas na balança depois de um banquete de docinhos.

Se calhar, as palavras são como os bombons de chocolate...

Dilúvio

Caiu aquela gota.

Sei que a ouvi, muitos andares acima do chão. A primeira gota de chuva. Aquela que anuncia o temporal, o apocalipse de água. Foi só um "pling" inocente, provavelmente caído num beiral de telhado, ou num mosaico da varanda, ou num rebordo de janela. Mas a seguir veio um dilúvio bíblico que varreu a rua de tudo (ou pelo menos era assim que eu imaginava).

Talvez a minha cabeça me estivesse a pregar partidas. Afinal é madrugada e os olhos teimam em contrariar a minha vontade. Se calhar imaginei o primeiro "pling" e os outros todos também. Se calhar se agora espreitar pela janela vão restar apenas umas míseras lagoas de água, baptizando os pneus dos carros e algumas gotas teimosas escorrendo aqui e ali.

Talvez tudo isto fosse só um pretexto para largar tudo e vir escrever, qualquer coisa sem importância que na minha mente surgisse como uma catástrofe natural que era imperativo documentar.

Infelizmente as tempestades imaginárias não levam com elas as obrigações nocturnas e não me consolam do sono, que já pesa. Se me esforçar mais um pouco talvez consiga...

Introspecção de um pássaro


Olhava para o horizonte daquela forma vaga e enigmática, como quem vê o que lá não está ou busca o que não existe. O vento frio do crepúsculo acarinhava as minhas penas macias, nunca tocadas por uma mão humana. Eu não sei se sou pássaro ou árvore ou ar, sei apenas o que os meus antepassados me deixaram, implícito nos genes de que sou feito, explícito nos meus dias de automatismos e rotinas. Os meus olhos na verdade são vazios, guardo apenas o enigma de não saber quem sou, ou de onde vim. Guardo o enigma de não me lembrar dos meus pais ou dos meus irmãos, de ver-me igual a tantos outros e não me questionar acerca da minha individualidade. Não ambiciono grandes conquistas e o horizonte não é mais do que uma paisagem que admiro à derradeira luz de cada dia.

Desconheço a passagem do tempo. Sei que há sol e lua, sei que há tempo dos ninhos e depois tempo das grandes viagens. Reconheço o chamamento ancestral da minha espécie e sei que devo cumprir o desígnio dos que me antecederam. Não temo a morte nem o futuro porque não sei o que são.

Vejo às vezes aqueles assustadores seres de duas pernas, caminhando lentamente em vestes estranhas. Apenas sei que não são como eu, sei que os seus olhos são estranhos e sei que não seguem o prevísivel e incontornável ciclo da vida. Receio as suas figuras grotescas quando se aproximam. Desdenho-os porque não têm asas e porque não respeitam as leis da Natureza.

Sou apenas qualquer coisa viva. Sinto o meu corpo quente e o coração palpitante. Sei que tenho uma pequena grande missão na minha efémera vida. Sei mas não me preocupo. Voo quando está sol e adormeço quando está escuro. De tudo o resto, não sei nada.

Em construção

Desculpem o atentado estético mas já não suportava as paranóias sucessivas do outro template e não tenho tempo agora para renovar o visual.

Brevemente estará mais bonito!

Querem rir um bocadito??

Uma pérola!!! Uma pérola!!! Esta cena do filme "Eraser" com o insubstituível Arnold Schwarzenegger com a qual me deparei a horas tardias na TV e não descansei enquanto não a descobri no YouTube. Aproveitem, delirem com todos os momentos :p