A Gaiola




Onde nos perdemos?

Onde nos reencontramos?

Cada decisão aproxima-nos de algo que desejamos e afasta-nos de coisas que tínhamos como garantidas. E às vezes dou por mim, cambaleante, com medo que o baralho de cartas caia sobre si próprio, receando dar o passo em frente e evitando ao máximo dar um passo para trás.

Tudo o que aqui figura, de forma mais ou menos explícita, mais ou menos pensada, mais ou menos consciente, é tão auto-biográfico que me assusto... Comigo própria, com as interpretações, com a multiplicidade de siginificados que cada palavra transporta.

Neste ciclo infindável de acções e pensamentos, interdependentes, incessantes, ébrios, custa entender onde ficamos nós, sem cedências nem condicionantes, comandados simplesmente pela vontade própria.

Como é possível que estas mãos fracas tenham construído uma gaiola de aço e vidro?

Rascunho

Não há miséria que não dê em fartura. Que não culmine num "boom" de grandes e engenhosas ideias, tão fantásticas quanto incompatíveis com os deveres quotidianos.

Mas aí está a magia de se ser um simples mortal entre tantos, uma formiga na vastidão dos terrenos humanos, caminhando célere mas autónoma num trajecto milenar. O poder de ser a gota que agita a placidez das águas, ainda que de um pequeno lago, ainda que só por uns segundos.

E quando as palavras não fazem sentido, mesmo quando as relemos ou quando tentamos enquadrá-las na "big picture"... Quando olhamos para dentro de nós, mesmo cá no fundo, e ainda assim permanecemos na ignorância da grande verdade, resta-nos o obediente teclado, a tinta fluida, os habituais e invisíveis ouvintes das desventuras desinteressantes.

E porque acreditamos nos heróis humanos de todos os dias e na pequena estrela que teima em brilhar no sopé de tudo o resto continuamos a afastar os escombros dos fracassos com as mãos nuas e calejadas, até que o sonho utópico da paz se concretize para todos.

Chocolate Quente

A tranquilidade de beber o chocolate quente fumegante, se ele existisse, sentada na desconcertante frescura do chão de madeira, abraçada pela penumbra da madrugada, antevendo nas interrupções da cortina o espectro alaranjado dos candeeiros da rua. Só mais um pouco desse calor líquido, trespassando o meu peito e morrendo no conforto do meu colo. O regresso desejado e agridoce das introspecções solitárias. Imaginados ou reais, estes relatos que não pedem público nem comentário, não pedem nada além do direito de serem expressos, dissolvem-se no chocolate macio, nos lábios sedentos, no cinzento das paredes e no silêncio das horas mortas. São só linhas rectas e ininterruptas, que buscam a fluidez nas ideias. Eu sou tudo o que esta divisão contém, todas as coisas vivas ou mortas em que poiso os olhos e a consciência.

Santo Graal




E quando aquela mística sensação nos atinge, como se o segredo do mundo e da vida pudesse florescer em nós, mais uma vez, tal como fizera em tantos outros ao longo dos anos, dos séculos, dos milénios. Como se todos os problemas fossem a relativização das grandes questões, dos grandes mistérios. Pequeno grão de areia que deseja voar nas dimensões da História, muito além daquilo que se diz ser possível ou real, como se no tempo e no espaço pudessem as grandes revelações ficar gravadas, para sempre, até que alguém chegue para as interpretar.


Como se, na verdade, nada se perdesse, como se tudo fosse um pequeno e impensável milagre, correndo imperceptível debaixo dos nossos olhos, alheio à nossa mente desatenta.