Ensaio de Sexta-Feira

Não venha o tempo dizer-me que falhei e já eu me antecipo, a análise rígida dos passos dados e dos não dados, a cabeça pensativa entre as mãos, o exame de consciência que vicia porque traz a disciplina e o controlo de danos.
Cada dedo apontado é uma carta que se desequilibra e cai. A perfeição das coisas manda que volte imediatamente ao seu lugar, imaculada, toda e qualquer causa da sua queda profundamente esmiuçada e corrigida.

Cansada, deixo cair a cabeça entre os joelhos e esqueço o castelo de cartas, meio tombado pelas circunstâncias dos últimos dias. Às vezes apetece soprar só para ver o que acontece quando tudo se desmorona. Apetece devastar com uma rajada os falsos problemas, as mesquinhices que a rotina nos força a julgar relevantes. 

Apetece ir viver para o meio da floresta, sem civilização alguma, construir castelos onde as cartas sejam estar vivo, estar quente, estar seguro só para poder regressar ao mundo real e respirar a profunda sensatez de distinguir aquilo que importa daquilo que é acessório.

Num mundo em que não houvesse espaço para textos destes, preocupações destas, teorias absurdas da conspiração, da perseguição, do azar e da sorte. Cheirasse eu uma flor e tudo nesse gesto me bastasse. Dedos apontados só para o sol que se põe, os bandos agrupados de aves ou a sombra mais refrescante para descansar.

1 comentário:

Vera disse...

Vera gosta! Também queria um mundo assim... :)

Bjinhos