A Ilha Verde

Debruçada na cerca de madeira, é assim que me recordo dos dias de calor nublado.

A vegetação luxuriante da ilha a reclamar de volta as construções humanas e nós, como seres obsoletos no meio daquele magnífico local, não ousando sequer tocar a pétala de uma flor ou o ramo de uma árvore com receio de quebrar a mística de tudo aquilo.

Apoio-me apenas na madeira rude, farpas pouco ameaçadoras baptizando os meus antebraços incautos, enquanto tentas enquadrar o que não tem enquadramento. Até nisso tens um encanto raro, o cabelo crespo dos banhos de enxofre e as pernas arranhadas, o intruso mais adorável de todos os intrusos.

A luz vai-se perdendo atrás de uma das mil colinas, pregando-nos partidas, escondendo as maravilhas da ilha até ao dia seguinte. Nós regressamos, guardando religiosamente na memória as fotografias mentais de tudo aquilo.

Ainda agora quando recordo, as hortênsias azuis e o absurdo verde, sinto o mesmo esboço de lágrima que senti na altura e a maravilhosa sensação de quem sabe que acabou de ver a coisa mais bela do mundo.

E até na mais profunda escuridão a ilha me seduz, como um ser colossal que adormece as crias, num silêncio que não é de dúvidas nem de espera. É apenas a noite a chamar-nos para si num ritual de milhões de anos.

Talvez tenhamos ficado na memória das árvores, uma molécula de nós persistindo na quietude e invulnerabilidade daqueles cenários, pois que não há alma que fique a mesma depois de tê-los visto.

Eu disse e ninguém ouviu

Não venha o tempo dizer-me que eu sou louca já eu conjecturei esse cenário, dada a quantidade de vezes que olho em volta e me encontro diferente do resto do mundo.

Conversamos e todos se riem das imoralidades do quotidiano, é banal por isso perdoa-se, todos fazem por isso não há problema, desde que não seja o próprio a ostentar a coroa de totó eis que faz sentido gargalhar aqui com a malta... Toda a gente sabe que estas coisas desagradáveis só acontecem aos pacóvios, porque quem se ri assim, de escárnio e puro gozo, tem uma inteligência que se eleva a tudo isto.


Já dizia o outro que um grande poder traz uma grande responsabilidade e isso nunca é mais verdade do que nos relacionamentos. O sentido de responsabilidade não é uma obrigação exclusiva de super-heróis e primeiros-ministros.

C'est la vie!!

Julgas que me conheces suficientemente bem para saberes quem eu deixei de ser?

Disse ele, as palavras tempestuosas, como se o quisesse dizer a muitas pessoas, de muitos tempos mas, por injustas circunstâncias, só pudesse dizê-lo a ela.
Cada um na sua vidinha, o tempo a passar e a arranhar-nos na passagem, de mansinho, nem sangra, nem dói, é só uma impressão fugaz.
E no final, eles chegam para ripostar porque o tempo não parou quando eles queriam, porque o tempo não recomeça do sítio onde a comodidade ou a rotina os fizeram ir embora e perder o rasto.
E quase parece que é culpa nossa, por continuar a viver e já ter rugas que eles nunca viram
, ter amigos cujas caras eles não reconhecem, ter problemas que nos marcaram sem que eles se tenham apercebido.
E parece que têm direito de dizer que somos piores agora, que mudámos muito e isso deve ser mau, que não há amizade como a deles, ou carinho como o deles, ou juízo de valor como o deles, incapazes que são de ver que também foram arranhados e que isso é mesmo assim.

Comunicado

Não me vou alongar sobre isto mas, sendo verdade, quero que aqui fique registado.
Há uns dias (poucos), fui profundamente injusta e arrogante ao criticar uma opção musical específica, só porque ela divergia da minha. Aqui fica o testemunho de que provei o "mesmo veneno" e aprendi: gostos não se discutem, conversam-se.

Hoje, ao ler um artigo no Público sobre os Coldplay, tive quase um vómito, de tão grotesca a linguagem e tão profundas as ofensas. É que, digo-vos, às tantas já não interessa de quem está aquele senhor a falar porque ninguém que faz música neste mundo merece ser tão brutalmente atacado e humilhado.

É certo que os fenómenos histéricos de popularidade também a mim me irritam. Mas digo-vos, irritam-me muito mais os pseudo-intelectuais, estes senhores que têm tempo de antena e usam-no para atacar pessoas que, simplesmente, porque assim quis a biologia e a circunstância, têm um gosto musical diferente do seu.
"Ah porque os Coldplay são muito certinhos e politicamente correctos e fazem música comercialóide disfarçada de poema amargurado e na verdade só pretendem confortar e não perturbar."

Meu senhor, todos entendemos onde está a querer chegar, a música dos Coldplay é comercial, vende muito, fica no ouvido, tem momentos de grande qualidade mas outros de maior banalismo, de repetição de sons e de sentimentos que são lugares-comuns. Mas, por favor, não me venha dizer a mim, que sou a mais profunda devota das músicas que perturbam, que agora todo o panorama musical tem de ser composto por artistas perturbados, suicidas, que se cortam com lâminas de barbear e hão-de morrer de overdose em banheiras. No panorama musical a diversidade é bonita e recomenda-se.

Pára, se faz favor, de comparar alhos com bugalhos?!
Apraz-me a mim dizer que o seu artigo é uma amálgama de juízos de valor muito pouco ajuizados e arrogância enfrascada em letras, disfarçado de jornalismo.

Se Coldplay para si é lixo, aguente, eu cá gosto desse cheirinho particular a lixeira.

É como Portugal: também dizem que é lixo, mas eu nasci cá e agradeço que não me chamem entulho.

Tentativa e erro

É burrice tropeçar sempre na mesma pedra. E, no entanto, aqui estou, a cara no chão coberta de lama, os lábios com sabor acre do sangue e as mãos doridas do impacto. O chão já tem a marca do meu corpo, socalco humano que materializa a minha profunda incapacidade de crescer.

Hoje nem sei de que cor estava pintada ou com que adereços enfeitada, a eterna pedra no caminho. Sei apenas que haverá sempre uma nova e legítima razão para ignorá-lo, o seu contorno espiculado e vingativo, e uma vez mais arriscar caminhar em frente.
E logo depois o inevitável baque surdo.
Agora deixo-me ficar no chão argiloso, o meu corpo húmido de qualquer coisa, que não sei se é orvalho da madrugada ou se é o meu orgulho choroso, assim como assim a curtir o solo irregular, a rebolar de um lado para o outro para prolongar o castigo.

"Vê se aprendes de uma vez. Porra! Vê se aprendes!"